Prefácio
Sempre busquei saber a nossa origem, porém sem obter sucesso. Me afligia fazer parte de um grupo que, ao que me parecia então, não tinha história. Busquei entre os irmãos mais antigos, mas ninguém sabia me informar nada. Quando fui estudar no Seminário Bíblico Palavra da Vida comecei a rebuscar na biblioteca vestígios do nosso movimento. Porém, pouco pude descobrir. Mas agora já sabia que o nosso movimento tinha começado no Reino Unido e era conhecido nos outros países como “Irmãos”. Uma luz começou a brilhar!
Um dia meu professor de História da Igreja me disse para procurar na Enciclopédia Britânica, pois lá deveria haver alguma informação. Foi ali que encontrei o primeiro texto confiável sobre a nossa história. Depois, quando retornei definitivamente para a minha igreja local fui presenteado com o livro “Os Irmãos” de autoria de Silas Filgueiras. Este livro veio encher uma grande lacuna histórica que havia em mim. Nele pude ver confirmadas e ampliadas as resumidas informações que até então conseguira coletar.
Mas logo se levantaram alguns questionando a fidelidade das informações contidas no livro “Os Irmãos”. Então parti novamente em busca de material. Em português só encontrei os escritos do irmão Stuart Edmund Mc Nair. Mais uma vez encontrei ali apoio para a ideia geral transmitida pelo livro “Os Irmãos”. Então decidi fazer este resumo para que os mais ocupados pudessem ler e ter uma noção da nossa origem. Isto é saudável e nos ajuda a entender melhor de onde viemos e no que nos tornamos.
Devo confessar que este livro me mostrou que nos desviamos da ideia original dos fundadores do Movimento dos Irmãos Unidos. Em alguns casos nos tornamos naquilo que eles combatiam e lutaram para mudar. Que incoerência!
Há poucos dias fui brindado com outra pérola, um livro escrito por um irmão Norte Americano chamado “Assuntos de Família” (“Family Matters”). Este livro é simplesmente maravilhoso!!! E tem mais: ele confirma que o livro do irmão Silas é fiel aos fatos. Estes dois irmãos nem ao menos se conhecem e expõem basicamente os mesmos fatos, da mesma forma. Isto, para mim, é evidencia mais do que necessária. Duas pessoas tão distantes, de tão diferentes culturas escrevendo sobre o mesmo assunto e concordando na sua exposição é prova de que os fatos realmente ocorreram como narrados.
Este segundo livro não está inserido neste resumo, mas assim que puder iremos publicá-lo em português. Só falta captar os recursos pois a autorização já foi dada pessoalmente pelo autor. Com certeza este livro preencherá uma lacuna para aqueles que são amantes da história.
Desejo que a leitura e reflexão da nossa história possa levá-lo (a) a andar mais perto da vontade do nosso amado Salvador em relação a Sua Igreja.
Um povo que não conhece a sua história está fadado a cometer os mesmos erros que cometeram os seus antepassados.
I. O INÍCIO DO MOVIMENTO
O início do movimento dos “Irmãos Unidos” deu-se, aproximadamente, em 1825 na cidade de Dublin (Irlanda). Um dos fatos marcantes que levou este movimento a surgir foi a preocupação de um grupo de homens com a condição espiritual da igreja reformada na Irlanda. No castelo de uma mulher conhecida como condessa Powescourt, homens das diversas denominações, então existentes, iniciaram reuniões mensais para estudos bíblicos. No início, eles encontravam-se apenas para o estudo das Sagradas Escrituras e para a oração. Até então os participantes permaneciam em suas respectivas igrejas de origem.
O principal iniciador deste movimento foi um homem chamado Antony Norris Groves. Ele era um jovem e bem sucedido dentista de 31 anos de idade. Ele afirmava:
“Ser sua compreensão, do estudo das Escrituras, que crentes, reunindo-se como discípulos de Cristo, estão livres para partir o pão juntos; e, em qualquer dia, como os apóstolos fizeram, relembrarem a morte do Senhor obedecendo ao seu mandado”.
Nesta época iniciou-se o desligamento do “movimento dos irmãos” dos demais círculos eclesiásticos e de sua autonomia. Foi Groves que, por assim dizer, deu o “pontapé” inicial para a criação deste importante movimento. Contudo, devido a algumas circunstâncias posteriores, John Nelson Darby alcançou maior notoriedade dentro e fora do movimento. Assim, erradamente, muitos o têm como o iniciador do “Movimento dos Irmãos”.
Groves nasceu na Inglaterra em 1795. Aprendeu odontologia com um tio, foi estudante de química e adquiriu prática em hospitais. Começou a trabalhar como dentista em Plymouth . Casou-se com uma prima e mudou-se para Exeter. Quando ainda estava em Plymouth fora fortemente influenciado por dois clérigos e, tal foi esta influência, que reviveu nele uma convicção da sua chamada para o serviço missionário. Esta tornou-se a ambição central da sua vida.
Groves propôs que é o simples princípio de união e amor a Jesus, e não o princípio de unidade de pensamento acerca de coisas menores, a base da reunião para partir o pão. Quando lhe sugeriram que se unisse aos batistas ele afirmou:
“Eu desejo andar com todos naquelas coisas em que servem a Cristo, mas eu não quero ajuntar-me com um grupo impedindo-me de reunir-me com os outros”.
Em outra oportunidade disse:
“Eu não faço distinção e estou pronto a partir o pão e beber o cálice de comunhão com todos os que amam ao Senhor e não negam seu nome. Cada verdadeiro crente é uma pessoa santa, porque Cristo habita nele e se manifesta onde ele adora; mesmo que suas faltas sejam tantas quantos os cabelos da sua cabeça, meu dever ainda é, com meu Senhor, juntar-me a ele em qualquer trabalho do Senhor em que ele possa estar ocupado”.
Naquela época, haviam na Inglaterra, Escócia e Irlanda as igrejas oficiais (Anglicana, Escocesa e Irlandesa) e as outras denominações que mão concordavam com a união da igreja com o Estado. Dentre estas estavam a Igreja Presbiteriana, a Igreja Batista, e Igreja Congregacional ou Independente etc. Por não concordarem com a união da igreja com o Estado eram chamadas de igrejas dissidentes.
Em uma visita a Dublin, em 1828, Groves disse:
“Eu não tenho dúvida que está de conformidade com a vontade de Deus nos reunirmos em toda simplicidade, como os discípulos, não almejando nenhum púlpito ou cargo, mas certos de que o Senhor nos edificará juntos, como lhe aprouver, e usará um dentre nós mesmos”.
Nisto baseou-se e este foi um dos fundamentos do “movimento dos irmãos”. Também o professor Basil Willey escreveu: “O Senhor usa aquele que lhe apraz para realizar o trabalho, não havendo, entre os remidos de Cristo, divisão entre ordenados e não ordenados”.
Nesta mesma ocasião, pequenos grupos, por não se sentirem bem nas igrejas então existentes, se reuniam em diferentes partes da cidade de Dublin. Um destes grupos havia se formado em torno do Dr. Edward Cronin, um dentista, que viera de uma cidade irlandesa chamada Cork. Ele havia sido convertido do catolicismo romano. Ao chegar em Dublin foi bem aceito em diversas igrejas como visitante. Contudo, quando passou a residir definitivamente em Dublin, disseram-lhe que, para poder participar do partir do pão, teria que se filiar a uma destas igrejas. Então ele se viu obrigado a participar de um grupo específico em exclusão dos outros. Em sua compreensão, Cronin comparava os vários grupos existentes como regimentos dos soldados do Senhor. Porém, devido a esta exigência, ele viu que, na prática, não era bem assim e acerca disto escreveu: “Vi que eles dirigiam suas armas uns contra os outros em vez de dirigir o fogo contra o inimigo comum”.
Em novembro de 1829, Hutchinson ofereceu ao seu grupo um quarto de sua casa para reunirem-se, trocar ideias quanto a sua posição e também para partir o pão. Eram ao todo cinco pessoas: Bellet, Brooke, Cronin, Hutchinson e Darby.
Havia outro grupo que, já por alguns anos, se reunia em outro local da cidade com a mesma finalidade. Neste grupo estavam: Wilian Storkes e Parnel, este era um amigo de Groves. Nesta época Groves já havia partido para o campo missionário. Ele partira em 12 de junho de 1828, juntamente com a família, para Bagdad, na Pérsia. Este foi o primeiro grupo de missionários do “Movimento dos Irmãos Unidos”.
Em maio de 1830, Parwell, que acompanhara Groves até a Rússia, tendo percebido a firmeza daquele pequeno grupo, propôs a mudança das reuniões para um lugar mais público que ele alugara em uma rua chamada Augier. Este, provavelmente, foi o primeiro salão de reuniões do grupo dos “irmãos unidos”. Neste tempo Darby ainda estava ligado a Igreja Anglicana, onde exercia atividade como ministro.
O GRUPO DE BRISTOL
Henry Craik, um jovem batista intensamente dedicado aos estudos linguísticos e teológicos, e George Müller, um jovem alemão que havia se preparado para ser ministro luterano, começaram este trabalho em uma capela que não estava sendo usada – a capela Bethesda. Começaram o trabalho nesta capela em 6 de junho e em 13 de agosto de 1832, Müller registrou no seu diário que na tarde deste dia “um irmão, quatro irmãs, Craik e ele se reuniram na capela Bethesda sem qualquer regra, desejando somente agir conforme o Senhor aprouvesse dar-lhes iluminação através da sua Palavra”. Assim eles iniciaram este trabalho inteiramente nas linhas que eles acreditavam ser de acordo com o ensino bíblico.
Na capela Bethesda desenvolveu-se a parte mais construtiva em pensamento e ação no testemunho e na expansão do trabalho missionário no início deste século. A vida de Müller foi um exemplo de santidade e confiança na oração. Craik foi um dos mais eruditos entre os “irmãos” dos primeiros anos do movimento.
O GRUPO DE PLYMOUTH
Em visita a Dublin, Francis Newman conheceu John Nelson Darby, ficando fortemente influenciado pela sua personalidade. De certa feita, ao ouvir Darby ler e explicar um salmo, ficou muitíssimo impressionado, pois que Darby, apesar dos seu aspecto simples, expunha a palavra com ternura, abrindo assim o coração dos ouvintes.
Em Plymouth, Newton e Wigran encontraram outros interessados no estudo das profecias bíblicas. Newton convidou Darby para visitar Plymouth como seu hospede, e ele foi. As reuniões se intensificaram. Wigran, vendo a possibilidade de estabelecer um trabalho permanente adquiriu uma capela; uma pequena casa à rua King, onde eram feitas regularmente as reuniões, e onde também partiam o pão. Nem Darby, nem Newton estavam de acordo em ter um local reservado para as reuniões, preferindo realizá-las em casas particulares. Isto se devia ao fato de que ainda não haviam se desligado da Igreja Anglicana . Mesmo depois de Newton ter se desligado da Igreja Anglicana, Darby continuou ligado a ela. As pregações do também integrante deste grupo, Percy Francis Hall, atraiam um grande número de ouvintes. Assim formou-se uma forte igreja independente, excedendo de longe as de Dublin e Bristol. Pela notoriedade desta igreja em Plymouth, foi que os “irmãos” ficaram conhecidos, nos países de língua inglesa, pelo nome de “Irmãos de Plymouth”.
Logo depois, não só pelo seu número, mas porque dentre os seus integrantes estavam alguns dos homens mais proeminentes do princípio do movimento, a assembleia de Plymouth tornou-se a mais importante entre o “movimento dos irmãos”. Uma vez que Darby estava sempre a viajar e alguns dos mais eruditos mudaram-se de Plymouth, quem passou a liderar esta assembleia foi o irmão Benjamim Willis Newton. Como o número da assembleia de Plymouth estava crescendo muito, e como entre os novos havia grande parte de letrados, receando que pessoas pouco dotadas ou inconvenientes assumissem o púlpito, escolheram para o trabalho de supervisor o irmão B. W. Newton, evitando assim participações pouco proveitosas. Esta assembleia chegou a contar com o número de mais de setecentas (700) pessoas.
Vieram fazer parte desta igreja local alguns elementos de valor como: James Lampen Harris (que com quarenta anos era o mais velho de todos) e Samuel Prideuax Tregelles. Este, alguns meses depois de se juntar ao grupo, foi trabalhar com Wigran na sua obra intitulada: “Englisman’s Greek and Hebrew Concordance”. Este trabalho contribuiu para que mais tarde Tregelles ocupasse lugar de proeminência na crítica textual bíblica. Ele havia aprendido grego, hebraico e aramaico na adolescência e, ainda nos nossos dias, é considerado uma das maiores autoridades no texto grego do Novo Testamento.
Em 1834, foi publicado em Plymouth o primeiro periódico dos “Irmãos” intitulado: O Testemunho Cristão. Foi publicado de janeiro de 1834 até janeiro de 1841. Seu editor escreveu:
“A igreja consiste não em ritos e cerimônias, mas, onde “dois ou três estão reunidos no Seu nome, ali está Ele no meio deles, ali é um refúgio aberto para o mais fraco do Seu povo”.
Resumindo, podemos dizer que por volta de 1834 o “movimento dos irmãos unidos” estava bem estabelecido, com igrejas em muitas cidades da Inglaterra, Escócia e Irlanda, já contando com um corpo de doutrinas bem conhecido.
Groves agora estava na Índia com seus companheiros e o movimento já se espalhara pela Europa Continental (França, Itália, Suíça, Bélgica, Holanda) e, também, havia atingido a Ásia, a Nova Zelândia, Estados Unidos etc.
O GRUPO DOS “IRMÃOS” NA ALEMANHA
Independente da atividade dos “irmãos” ingleses, surgiram na Alemanha, no ano de 1847, duas pequenas comunidades; uma em Tunbigen e outra em Dusseldorf. Ali os irmãos se encontravam regularmente para as reuniões. Os impulsos decisivos, porém, partiram nos anos cinquenta de Elberfeld, onde havia a Associação Evangélica dos Irmãos. Carl Brockhaus, que se desligou da Igreja Estatal em 1856, permaneceu em constante contato epistolar e oral com Darby. Através deste contato foi estabelecida a ligação do “movimento dos irmãos” da Alemanha com os “irmãos” britânicos. Pelos “irmãos” alemães foi feita uma tradução própria da Bíblia para o alemão. Esta obra é chamada de a Bíblia de Elberfeld.
É uma pena que ainda hoje conheçamos tão pouco a respeito do movimento iniciado na Alemanha, pois, segundo o pouco que se tem conhecimento, o trabalho ali desenvolveu-se maravilhosamente e permanece até os nossos dias como um trabalho com uma visão missionária e firmeza doutrinária invejáveis.
II. DESENTENDIMENTO E DIVISÕES
No período de 1833 a 1834, atitudes, fatos e várias circunstâncias foram se acumulando ao ponto de produzir divisão no “movimento dos irmãos”. Groves, o que iniciara o movimento, foi um dos primeiros a perceber a conduta e o pensamento de ficar contra as outras igrejas evangélicas por causa de coisas secundárias. Em março de 1836, antes de deixar a Inglaterra para retornar ao seu trabalho na Índia, escreveu uma carta a Darby na qual dizia:
“Vocês serão conhecidos mais pelo que são contra do que pelo que vocês concordam. Vossa união torna-se mais uma questão de doutrina e de opinião do que de vida e amor. Aqueles princípios que eu me glorio de ter descoberto na Palavra de Deus, hoje me glorio ainda dez vezes por ter experimentado sua aplicabilidade a todas as circunstâncias do presente estado da igreja, que nos permitem conviver com cada indivíduo, ou grupo de indivíduos, como Deus os vê, sem nos comprometermos com qualquer dos seus males, aprendi que o nosso princípio de união é a posse da vida comum a toda a família de Deus, “pois a vida está no seu sangue”.
Quando foi acusado de reunir-se com outros grupos, Groves respondeu:
“Eu acho melhor suportar os seus erros do que separar-me do que há de bom neles”, e acrescentou: “As coisas que nos unem são mais importantes do que as que nos dividem”. Dizia também: “Não devemos nos preocupar em sermos diferentes das outras igrejas, mas em sermos semelhantes a Cristo. Eu desejo ter de cada grupo o que cada grupo tem de Cristo” (grifo meu). Segundo ele acreditava, os princípios de comunhão são:
“Amar a todos a quem Cristo ama, aqueles sobre os quais Cristo põe sua bênção, ou que nós próprios reconhecemos como cristãos pela iluminação do Espírito Santo, não por que concorrem conosco em certos pontos, mas, porque são, ligados por uma afeição real ao Senhor”.
Podemos perguntar, disse Groves:
“Que fazer com os erros? Não são um impedimento à comunhão? Eu entendo que devemos ter participação com a assembleia em que há o doce sabor de Cristo, onde nossas almas são edificadas, onde o Senhor está presente com aqueles que ministram e com os que ouvem. Devemos ir onde o Senhor se manifesta, abençoando e salvando, porque ali é um lugar santo”.
Continua ainda a afirmar:
“Se considerarmos a igreja em Jerusalém ou em corinto, veremos que havia muita coisa a ser condenada e os apóstolos reprovavam os erros, mas não se separaram. Não podemos nos separar daqueles que não estão separados de Cristo, nem denunciá-los como inimigos. Se houve, na Terra, uma testemunha fiel, esta testemunha foi Jesus, e ele nunca se afastou das sinagogas. Isto prova que a separação não é o único meio de testemunhar, e Jesus era separado dos pecadores; não de suas assembleias e pessoas, mas separado dos seus pecados. Eu devo receber todos como Cristo os recebe, para a glória de Deus Pai”.
Darby, ao contrário, insistia que as igrejas existentes haviam se afastado das normas do Novo testamento, e a isto ele denominava de “o mal”, e dizia que o verdadeiro cristão deveria afastar-se delas.
Quando as divergências começaram a tornar-se públicas, Groves, que estava na Índia, escreveu:
“… se estes que confessam estarem andando na graça e singeleza de coração não podem andar em amor e união, levando a carga uns dos outros, cumprindo a lei de Cristo (Gl 6:2), quem poderá fazer?”
Darby era humilde e de personalidade cativante; paciente e afetuoso para com os fracos, pobres e de nível intelectual inferior, porém, quando alguém que era do seu mesmo nível intelectual se lhe opunha, recebia dele um tratamento cujas palavras ficavam indeléveis em sua memória.
Era dono de uma personalidade imensa e complicada. Era um gênio, e, como só acontece com estes, era psicologicamente anormal. Devido à sua imensa devoção a Cristo, zelava para que a igreja fosse pura, porém, pelo seu temperamento, seu modo de entender as coisas, fez com que suas atitudes causassem a desonra ao nome de Cristo a quem ele tanto amava. Agia como tendo uma chamada direta de Deus, como alguém que considerava estar no caminho certo; considerando inimigos de Deus todos os que dele discordavam.
Por estar sempre em viagens fora da Inglaterra, Darby foi perdendo sua influência na assembleia de Plymouth. Newton, com sua personalidade autocrática, começou a tomar decisões e atitudes na assembleia que feriam seus companheiros e negavam os princípios pregados pelos “irmãos”. Também escreveu vários estudos de natureza profética e sobre a humanidade de Cristo que entravam em desacordo com as interpretações de Darby. Em alguns destes estudos Newton passou dos limites aos quais é possível ao homem fazer afirmações. Darby acusou Newton de ter reintroduzido no movimento o espírito eclesiástico. Assim, de desentendimento em desentendimento, Darby acabou rompendo com Newton e com os que o apoiavam na assembleia à rua Ebrington, em Plymouth, estabelecendo uma capela `a rua Raleigh, também em Plymouth.
George Müller e Craik, de Bristol, bem como Chapman, de Barnstaple, dedicavam-se intensamente ao seu trabalho no evangelho, não se ocupando com controvérsias. Porém, haviam estabelecido presbíteros em suas igrejas, fato este que desagradava a Darby. Entretanto, em 1847, aconteceu que uns irmãos da assembleia de Newton foram a Bristol e a assembleia de Bethesda (onde reuniam George Müller e Craik) permitiu que eles participassem do partir do pão. Ao saber disto, Darby rompeu com a assembleia de Bethesda e todos ligados a ela, inclusive Chapman. Ficou assim concretizada a divisão no “Movimento dos Irmãos” na Grã-Bretanha, espalhando-se também para outros países. Assim sendo, surgiram dois grupos distintos, o dos “Irmãos Exclusivista” (Exclusive Brethren), composto por Darby e seus seguidores, e o dos “Irmãos Livres” ou “Tolerantes” (Open Brethren). Este era constituído dos que tomavam a mesma atitude de tolerância como Müller, Craik, Chapman e Groves. Os exclusivistas, com seu espírito intolerante, têm sofrido sucessivas divisões e cada grupo vai criando o seu próprio princípio de divisão.
Darby dizia que uma assembleia que não está disposta a receber todos os filhos de Deus em sua comunhão, como pertencentes ao reino de Deus, não pode esperar plenitude de bênção. Dizia também: “Qualquer outra exigência que restrinja os laços de comunhão faz-me lembrar aqueles que dividiram as vestes do Salvador”. Darby via o mal das divisões, mas nunca achou o meio de realizar, na prática, esta tão almejada união. Desejava a Igreja unida, mas estabelecia suas próprias condições para esta unidade. Quando uma assembleia não concordava com suas ideias era simplesmente taxada de infiel e colocada de lado.
III. O IDEAL DOS “IRMÃOS” – A UNIDADE DA IGREJA
O ideal dos “irmãos”, desde o início, foi o de se reunirem tendo como única base de comunhão o ser um “nascido de novo”. Buscavam ter a Bíblia como única regra de fé e conduta, não aceitando nenhum outro regimento, ou lista de normas de proceder (como por exemplo listas de pode ou não pode, usa e não usa etc. – parêntese meu), entendendo que isto estabelece condições que não poderão ser aceitas por todos os filhos de Deus.
Os “irmãos” insistiam no dever cristão de manter um alto padrão de conduta pessoal (havendo até um alto grau de ascetismo nos que iniciaram o movimento), no reconhecimento da autoridade das Escrituras, tanto para a conduta pessoal como para guia nas atividades da igreja, bem como a não aceitação de prerrogativas ministeriais; reconhecendo a liberdade do uso dos dons por todos os membros da congregação, conforme a distribuição do Espírito Santo. Entendiam que a Igreja é a comunidade e a unidade de todos os remidos por Cristo. Era sua compreensão que as igrejas locais são autônomas e independentes, sendo unidas somente pelos laços de fraternidade cristã. Consideravam todas as igrejas nas quais há evidência da presença de Cristo nelas, mesmo que use algum nome para caracterizá-la, como uma igreja coirmã e pertencente à mesma Igreja de Cristo.
A Igreja de Cristo na terra é uma só. Esta verdade é aceita sem maiores dificuldades por todos os verdadeiros cristãos evangélicos. Contudo, quando se referem à Igreja, no seu subconsciente estão se referindo ao seu grupo particular ou às igrejas do seu grupo. Para cada um a Igreja é formada por aqueles que concordam com ele em gênero, número e grau. Os outros, bem, os outros, mesmo que seja um irmão cuja vida reflita que é verdadeiramente um remido por Cristo, e que tenha sido usado pelo Senhor para uma grande obra na sua seara, é considerado apenas como um “meio – irmão”.
No início do “Movimento dos Irmãos” os que participavam das reuniões não tinham a intenção de formar um novo grupo, pois visavam a unidade do povo de Deus. Todavia, em nenhum dos grupos existentes na época, eles encontravam condições para viver de uma forma que alcançasse todos os cristãos. A qualquer grupo que se filiassem teriam que aceitar alguma norma que, por não ser clara nas Escrituras, excluía os outros cristãos que com ela não concordassem. Por esta razão procuraram reunir-se de uma forma que pudessem agir e cooperar com todos, observando somente as Escrituras, sem nenhuma restrição ou preceito além daqueles claramente expressos na Bíblia. Procuravam adotar uma conduta de tolerância nos pontos em que não podiam chegar a um mesmo parecer.
“Por isso nós que desejamos reunir-nos em um terreno comum a todos, de uma maneira que todos possam acompanhar-nos, precisamos ter muito cuidado em não exigir nada que as Escrituras não exijam, ainda que a nova regra pareça muito sensata”.
Não podemos insistir em alguma forma particular de culto ou modo de batizar, visto que a Palavra de Deus não o faz; nem devemos proibir o ministério de um irmão espiritual por ser ele apenas, como dizem “um leigo”, visto que a distinção entre clero e leigo não se encontra na Bíblia”.
A. Posição e Normas dos “Irmãos”
Os princípios que norteiam as assembleias dos “irmãos” desenvolveram-se aos poucos. Desta forma entre 1832 e 1835 já estavam bem definidos. Vejamos a seguir algumas declarações feitas por alguns, dentre os iniciadores do movimento, que mostram a posição dos “irmãos”:
Bellet: “Groves disse-me que segundo o que ele vê nas Escrituras, os crentes, reunidos como discípulos de Cristo, estão livres para “partir o pão” juntos, como o Senhor os exortou, e, seguindo o exemplo dos apóstolos, cada “dia do Senhor” assentarem-se à parte para comemorar a morte do Senhor em obediência ao seu mandado”.
Groves: “Estou pronto a partir o pão e beber o cálice de comunhão com todos os que amam ao Senhor e confessem o Seu nome. Eu considero cada irmão como uma pessoa santa porque Cristo habita nele e se manifesta onde ele O adora. Embora tenha muitas faltas é meu dever, para com meu Senhor, juntar-me a ele como membro do corpo místico de Cristo e manter comunhão e convivência com ele em qualquer trabalho do Senhor em que ele esteja ocupado”.
Ainda Groves em 1934: “Estou plenamente certo daqueles abençoados princípios que o meu Senhor me ensinou e que me alegro em propagar: Obediência a Cristo somente, ver somente Cristo em meu irmão como o alfa e o ômega como condição de comunhão, e, por último, devoção a Cristo somente.
É o simples princípio de união e de amor a Jesus, e não o princípio de unidade de pensamento acerca de coisas menores, a base da reunião para “partir o pão”.
Borlase: “Uma igreja consiste não em ritos e cerimônias, mas ‘onde dois ou três estão reunidos no Seu nome’, ali Ele está no meio deles, e ali há um refúgio para o membro mais fraco do seu povo”.
Não há base para um cristão requerer do seu irmão, senão que ele creia no livre perdão e salvação pela fé em Cristo e mostre evidências de uma vida moldada conforme ao que professa; fidelidade a Cristo é imprescindível”.
Basil Willey: “O Senhor usa aquele que lhe apraz para realizar o trabalho, não havendo entre os remidos de Cristo divisão entre ordenados e não ordenados”.
B. O Batismo
Entre os que pertencem ao grupo dos “irmãos” nunca houve consenso quanto ao modo de batizar e a quem batizar. A conduta seguida sempre foi a de respeitar o modo de cada um entender o assunto. Isto porque, no Novo Testamento, não há uma explicação determinando como fazê-lo, de modo que todos entendam da mesma maneira.
Concluem que se não ficou determinado é indicação de que a forma não é essencial. Entendem também que não há base no Novo Testamento para alguém estabelecer uma forma como correta. Quem usa forma de batismo para recusar ou censurar um irmão, está tomando uma atitude sectária e está sendo intolerante. Quem faz propaganda da forma que aceita como a melhor, ou a mais correta, está trabalhando para uma seita.
Richard Holden escreveu no folheto “A Posição e os Princípios dos vulgarmente conhecidos como – “os irmãos”: A dificuldade desaparece logo que se percebe que no Novo Testamento nunca é o batismo um ato eclesiástico – isto é, ato da igreja ou que pertence às suas atribuições – mas sim, que é puramente um ato individual e, portanto, abrangido pelos termos de Romanos 14, ficando dentro do campo da consciência pessoal. É um ato solene, decerto, acerca do qual cada um tem por dever buscar acerta com a vontade do Senhor, porém um ato que diz respeito unicamente àquele que batiza e ao que é batizado, sem outra ingerência da igreja (At 8:5,12,38; 9:18; 10:48; 16:33; 22:16)”.
Em resposta a um irmão que o consultou acerca do batismo o Sr. Mc Nair escreveu: “É bom notar que as divergências de opinião com respeito ao batismo têm sido motivo de divisão na Igreja de Deus, alguns crentes excluindo os outros que não concordam com o seu parecer referente ao assunto.
Logo que começamos com regras e exigências que não são das Escrituras, somos tão sectários como qualquer outra seita ou secção da igreja que só conhece como membro do seu corpo os que concordam com os seus pareceres particulares.
Não duvido que o inimigo quererá sempre arrastar-nos para um terreno sectário, persuadindo-nos a excluir crentes sinceros, mas com convicções diferentes das nossas. A propaganda sobre formas de batismo e o estabelecimento de “regrinhas” fazem muito mal, e este proceder precisa ter a repulsa franca por parte dos outros que também têm responsabilidade no trabalho do Senhor”.
No início do trabalho dos “irmãos” aqui no Brasil todos irmãos usavam uma só forma de batismo e eram tolerantes, mas com o passar do tempo alguns que adotaram outra forma diferente se tornaram intolerantes e recusamos que não se submetem à forma que acham correta. Assim em muitas igrejas locais, irmãos com uma vida exemplar são impedidos de ministrar e tomar parte na Ceia do Senhor, não por que são infiéis para com o Senhor, mas por não terem sido batizados desta ou daquela forma. Isto é lamentável!”.
IV. STUART EDMUND MC NAIR
Um irmão que atuou no Brasil por cerca de meio século foi o inglês Stuart Edmund Mc Nair. A presença deste irmão no nosso país foi uma bênção, um presente de Deus para as igrejas locais por onde passou.
Era maio de 1896, quando o Sr. Mc Nair pisou pela primeira vez em solo brasileiro. Mc Nair conta que por volta de 1888, em Dublin, teve a oportunidade de conhecer o grande ensinador bíblico C. H. Mackintosh. Disse que, devido ao seu amor fraternal, este irmão era notável. Em uma de suas visitas a Mackintosh, em Dublin, lhe falou que tinha a impressão de que Deus o chamava para servi-lo na América do Sul. Ali mesmo, na saída de casa, Mackintosh pôs as mãos sobre a cabeça do jovem Mc Nair e impetrou a bênção de Deus sobre seu futuro na América do Sul. Já no fim da sua vida Mc Nair escreveu: “Se alguém me pergunta se concordo com a ‘imposição das mãos’ dos anciãos, costumo responder que sim e que a tenho recebido”.
Nos lugares que residia, Mc Nair organizava escolas bíblicas para a instrução de moços crentes. Com o intuito de melhor preparar os obreiros, dava cursos que duravam pequenos períodos, indo de um (01) a cinco (05) meses. Em 1933, mudou-se para Teresópolis (RJ), onde montou uma editora à qual dedicava todo o seu tempo. Ali eram impressos o “Boletim Evangélico”, depois a “Biblioteca Evangélica”, e vários livros. Publicou também A Bíblia Explicada, O Pequeno Dicionário Bíblico, além de folhetos e tratados da série SWM (Sociedade Para a Distribuição das Escrituras) de Londres.
Já próximo ao fim da sua vida, Mc Nair, para expressar o que aprendera com meio século de serviço evangélico no Brasil e Portugal, escreveu:
- O método “cada crente um obreiro” é a melhor maneira de espalhar o evangelho e promover a vida espiritual dos crentes.
- O progresso e aumento de um trabalho não precisa depender de ajuda financeira do exterior.
- Não é suficiente evitar o nome de sectário, mas havemos de fugir do espírito sectário também. Nosso amor fraternal deve abraçar todos os crentes na nossa localidade, tanto os que têm como os que não têm nome partidário; pois o inimigo há de procurar semear o sectarismo mesmo no meio daqueles que pregam contra ele. Lamento ter visto alguns lugares onde outrora recebiam todo crente de vida irrepreensível, um novo espírito sectário que quer recusar a comunhão fraternal àqueles que não concordam com um parecer particular sobre certas doutrinas sem importância fundamental, ou que não tenha sido rebatizado depois de crente. Creio que a propaganda do batismo, que tanto tem dividido a Igreja de Deus, deve ser deixada a compreensão individual, visto que a Escritura nunca liga o batismo com a igreja.
- Nossos irmãos que estão no denominacionalismo nos são tão necessários e podem ser tão queridos como qualquer outro; visto que a coisa mais importante em cada crente não é a sua atitude eclesiástica, mas “a medida da sua fé” – a medida que ele enxerga o invisível (Rm 12:3; Hb 11:27).
- Também foi-me de mito proveito I Ts 5:18: “Em tudo dai graças.” Esta exortação, sendo obedecida constantemente, torna-se um hábito e abençoa a vida.
- Tenho visto ser muito frequente pensar nos outros crentes segundo a inteligência de cada um, tornando-se assim a medida da pessoa pela cabeça. Porém acho mais acentuado apreciá-la “conforme a medida da fé que Deus repartiu a cada um”(Rm 12:3).
O segredo de viver em harmonia com todos encontrei-o em Fp 4:8: “… se há alguma virtude e se há algum louvor, nisso pensai.” O segredo é procurar ver em cada um, tudo que haja do verdadeiro, do honesto, do puro e do amável, evitando ao máximo uma preocupação com o que seja menos louvável.
Não me interessa tanto saber se fulano é instruído ou ignorante, se ele é ortodoxo ou heterodoxo, se ele entende de batismo, mas procuro saber em que medida as coisas invisíveis da vida cristã são para ele atualidades que dão cor e caráter à sua vida.
Do coronel Jacob, que foi meu amigo, protetor, exemplo, enfim, tudo que um pai pode ser, ouvi: “Convém acompanhar tudo que seja de Cristo em qualquer um, e nada que não seja de Cristo”.
OUTRAS FONTES CONSULTADAS
- Hermelink, Jan. As Igrejas no Mundo: Um estudo das Confissões Cristãs. Editora Sinodal. São Leopoldo, 1981.
- Erickson, Millard J. Opções Contemporâneas na Escatologia. Traduzido por Gordon Chown. Edições Vida Nova. São Paulo, 1982.
- Enciclopédia Britânica. 23 vols. Editada por John V. Dodge. Willian Benton Publisher. Chicago, 1964.
- Enciclopédia Histórico Teológica. 3 vols. Editada por Walter A. Elwell. Traduzida por Gordon Chown. Edições Vida Nova. São Paulo, junho de 1988.
- Álbum de Reminiscências. 1953. Por S. E. Mc Nair.
Nota: A maior parte deste livreto foi compilado do livro Os “Irmãos”, de Autoria de Silas G. Filgueiras, Petrópolis, RJ; porém, há nele, alguma colaboração do resumista.
Jabesmar A. Guimarães