Fermento e Aves dos Céus – Um Questionamento!
I Cor 11:2-16
Não há como negar que os autores bíblicos mencionam e usam alegorias, figuras e parábolas. Isto é um fato inegável. Mas “o uso literário da alegoria dever ser distinguido do método de interpretação (bíblica) chamado “alegorização” (ou alegórico). Este método é caracterizado pela busca de um significado mais profundo nas declarações literais de um texto, que não está facilmente visível. O método freqüentemente indica mais o os padrões de pensamento do intérprete do que do autor original.
Historicamente, a alegorização teve sua origem na Grécia (século IV a.C.), influenciou o judaísmo através de Filo em Alexandria (século II a.C.) e veio para o cristianismo através de homens notáveis, tais como Jerônimo, Orígenes e Agostinho”1 (parêntese e negrito meus). Usar uma parábola (linguagem figurada) para ensinar, ilustrar ou destacar uma verdade é bem diferente de ficar procurado, por exemplo, figura para todos as coisas do Tabernáculo (ganchos, cordas etc.).
Feita esta importante distinção, gostaria de frisar que desde pequeno ouço pregadores e ensinadores afirmando terem achado o significado figurado para várias palavras bíblicas. Um dos maiores perigos é quando nos acostumamos com afirmativas que, de tanto ouvi-las, acabamos tendo-as como verdades absolutas imutáveis. Correndo o risco de ser tido por ousado, gostaria de questionar o uso de algumas “figuras” que nos são apresentadas. Farei isto a partir do seguinte princípio: Uma figura só é valida quando se aplica a todas as situações e pode ser levada às últimas conseqüências.
Egito é figura do mundo. Todos nós já ouvimos ou até mesmo já dissemos esta frase. Mas será que uma palavra que é usada em um lugar com um sentido tem o mesmo sentido em outro texto e contexto? Quando fugiam da ira de Herodes, para onde José e Maria levaram Jesus? E aquele texto que diz: “Do Egito chamei meu Filho?” (Mt 2:15). Egito aqui pode significar mundanismo? Não! Faraó é figura do diabo. Esta é outra afirmação que já ouvimos bastante mas que não se encaixa bem, pois, se assim fosse, em Gênesis 47:7 veríamos Jacó abençoando o maligno!
Onde a bíblia afirma uma figura podemos e devemos entender como tal, mas devemos cuidar para não distorcer o sentido original da verdade que o autor queria transmitir.
Vejamos alguns exemplos bíblicos de figura, alegoria e tipo:
- Rm 5:14 – Adão prefigurando (“tipos”) o Senhor Jesus.”
- I Cor 10:6, 11 – Fatos na história dos judeus que são figuras, exemplo (“tipos”) para nós.
- Gl 4:24 – Sara e Hagar como alegoria (“allegoroumena”) das duas alianças. Paulo usa um evento.histórico como exemplo. É bom lembrar que ele tinha autoridade apostólica para isto.
- Hb 9:9 – Ritos, ofertas e sacrifícios mosaicos como uma figura (“parabolé”) do sacrifício perfeito efetuado pelo Senhor Jesus.
- Hb 9:23, 24 – O Tabernáculo terrestre como figura (“antitupon” = correspondente) de um Tabernáculo superior, celeste.
- Hb 11:19 – O livramento de Isaque como uma figura (“parabolé” = falando figuradamente) de ressurreição.
- I Pe 3:21 – A arca de Noé como figura (“antitupon” = correspondente) de batismo.
- I Cor 10:4 – A pedra da qual os judeus beberam água no deserto como figura de Cristo.
- Jo 3:14 – A serpente levantada no deserto como figura de Cristo. Serpente aqui não pode significar o diabo. Então nem sempre serpente é figura de satanás (aliás, o Senhor Jesus nos manda: “sede, portanto, prudentes como as serpentes…” – Mt 10:16).
Obs: Nestas duas últimas passagens não aparecem as palavras gregas para denotar figura, alegoria ou tipo.
Podemos afirmar categoricamente estas figuras porque a Bíblia as cita. Foi o Espírito Santo que usou as alegorias. Contudo, tenho visto, com preocupação, pessoas querendo achar figura para quase tudo na Bíblia. Isto sem falar na numerologia que atribui significado especial a certos números que aparecem na Bíblia.
Por hora estudaremos apenas dois exemplos de palavras que, do meu ponto de vista, tem sido usadas e abusadas. São elas:
1. Aves do Céu
Esta palavra aparece quarenta e sete (47) vezes na Bíblia. A primeira vez em Gênesis 1:26.
- Vinte e seis (26) vezes significa pássaros.2
- Doze (12) vezes significa aves de rapina.3
- Seis (06) vezes significa nações.4
- Duas (02) vezes, em passagens paralelas, como figura do diabo.5
- Uma (01) vez como figura de informante anônimo.6
Concluo, então, que não podemos afirmar que em todas as passagens bíblicas a frase aves do céu é uma figura do mal. Somente duas vezes a Bíblia as coloca como figura do diabo (Mc 4:4; Lc 8:5), nas outras vezes em que aparece não tem este significado. Vejamos a outra palavra:
2. Fermento (7)
Esta palavra aparece vinte (20) vezes na Bíblia. A palavra “levedado” (8) e correlatos aparece outras vinte (20) vezes. A primeira vez que aparece a palavra fermento é em Ex 12:15.
- Cinco (05) vezes significa apenas fermento (Ex 12:15, 19; 13:7; Lv 2:5, 11).
- Seis (06) vezes significa o ensino e a hipocrisia dos fariseus. Influência do erro (Mt 16:6, 11, 12; Mc 8:15; Lc 12:1).
- Uma (01) vez significando a permanência do irmão que cometeu incesto na igreja em Corinto. Indica que a presença dele seria uma má influência para os outros (I Co 5:6-8).
- Uma (01) vez significando o ensino dos judaizantes que incentivavam os gálatas a se circuncidar e guardar o sábado. Influência do legalismo.
- Duas (02) vezes significando o Reino dos céus. Influência do Evangelho na sociedade corrompida (Mt 13:33; Lc 13:21).
Obs: Apesar da proibição do pão fermentado nas ofertas de manjares dos judeus (também o mel – Lv 2:5, 11); na festa do Pentecostes os pães para serem movidos perante o Senhor deveriam ser cozidos com fermento, levedado (Levítico 23:17). A oferta pacífica também deveria ser feita com pão fermentado (Lv 7.13). Figura do mal? Não, pois Deus mandou que assim se fizesse! Portanto, concluo que é melhor ver o fermento como figura de influência. Esta influência tanto pode ser para o mal como para o bem. Negar que Jesus comparou o reino dos céus ao fermento é fechar os olhos a uma verdade bíblica (Mt 13:33; Lc 13:21). A expressão “reino dos céus” aparece trinta e três (33) vezes em Mateus. Destas trinta e três vezes, em dez (10) Jesus o compara com alguma coisa (o reino dos céus é…), mas por causa da premissa de que fermento é figura do mal, muitos irmãos fazem uma ginástica daquelas para explicar o texto dando ao fermento o significado de mal onde claramente não foi a intenção do Senhor Jesus. Ele afirma a semelhança, não há como fugir disso.
Apesar do fermento às vezes ser usado para denotar uma má influência, não parece haver motivo algum para entendê-lo assim aqui. “A lição é que uma quantidade pequena do fermento faz sua presença sentida na totalidade de uma massa muito maior. Assim acontece com o reino. O fermento trabalha de modo quieto e invisível, e o reino opera através da influência de Cristo sobre os corações humanos, e não em qualquer coisa meramente externa e visível. Talvez valha a pena notar, também, que o fermento trabalha de dentro: não pode transformar a massa enquanto fica do lado de fora. Mas também é importante que o poder para fazer a transformação vem de fora, pois a massa não se transforma a si mesma”11.
Notas:
- Enciclopédia Histórico Teológica da Igreja Cristã. p. 41 – Edições Vida Nova
- Gn 1:26, 28; 2:19, 20; 7:3; II Sm 21:10; Jó 12:7; 28:21; 42:11; Sl 8:8; 104:12; Jr 4:25; 9:10; 15:13; Ez 32:4; 38:20; Dn 2:38; Os 2:18; 4:3; 7:12; Sf 1:3; Mt 6:26; 8:20; Lc 9:58; At 10:12; 17:6.
- Dt 28:26; I Sm 17:44,46; I Rs 14:11; 16:4; 21:24; Sl 79:2; Jr 7:33; 16:4 19:7; 34:20; Ez 29:5.
- Ec 31:6,13; Dn 4:12,21; Mt 13:32; Lc 13:9.
- Mc 4:4; Lc 8:5.
- Ec 10:20.
- Ex 12:15, 19; 13:7; Lv 2:5,11; Mt 13:33; 16:6, 11, 12; Mc 8:15; Lc 12:1; 13:21; I Co 5:6-8; Gl 5:9.
- Gn 18:3; Ex 12:15, 19, 20, 34, 39; 13:3, 7; 23:18; 34:25; Lv 6:17; 7:13; 10:12; 23:17; Dt 16:3, 4; Os 7:4; Am 4:5; Mt 13:33; Lc 13:21; I Co 5:6; Gl 5:9.
- Se o fermento é figura do mal, então o mel também deveria ser. Mas então, como explicar o mel simbolizando a Palavra de Deus? (Sl 19 – Vemos que a figura não pode ser levada as últimas conseqüências sem causar problemas sérios).
- 13:24, 31, 33, 44, 45, 47; 18:23; 20:1; 22:2; 25:1.
- Lucas: introdução e comentário. p. 212 – Edições Vida Nova.
Jabesmar A. Guimarães