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Um Evangelho Vivo Para Um Tempo Novo

Que o Evangelho é vivo nenhum de nós duvida. Ele é o poder dinâmico de Deus para a salvação de todo aquele que crê! O desafio que temos é de apresentar este evangelho para pessoas que vivem uma nova realidade, um novo tempo. Devemos reconhecer que nem sempre é fácil fazer isto.

Gostaria de compartilhar com os irmãos uma passagem que fala da quebra de costumes e tradições, que fala de uma mensagem e novas formas de apresentar essa mensagem. O Senhor Jesus tem muito a nos ensinar sobre como lidar com os conflitos que surgem pelas mudanças que inevitavelmente vêm com o passar dos anos. Para tanto leiamos Lucas 5:30-39.

“Os fariseus e seus escribas murmuravam contra os discípulos de Jesus, perguntando: Por que comeis e bebeis com os publicanos e pecadores? Respondeu-lhes Jesus: Os sãos não precisam de médico, e sim os doentes. Não vim chamar justos, e sim pecadores, ao arrependimento. Disseram-lhe eles: Os discípulos de João e bem assim os dos fariseus freqüentemente jejuam e fazem orações; os teus, entretanto, comem e bebem. Jesus, porém, lhes disse: Podeis fazer jejuar os convidados para o casamento, enquanto está com eles o noivo? Dias virão, contudo, em que lhes será tirado o noivo; naqueles dias, sim, jejuarão. Também lhes disse uma parábola: Ninguém tira um pedaço de veste nova e o põe em veste velha; pois rasgará a nova, e o remendo da nova não se ajustará à velha. E ninguém põe vinho novo em odres velhos, pois o vinho novo romperá os odres; entornar-se-á o vinho, e os odres se estragarão. Pelo contrário, vinho novo deve ser posto em odres novos e ambos se conservam. E ninguém, tendo bebido o vinho velho, prefere o novo; porque diz: O velho é excelente”.

Diante do comportamento do Senhor e seus discípulos os religiosos de plantão não perdem a oportunidade de confrontá-los. Eles não se misturavam com aquela ralé de pecadores e estranhavam que Jesus e seus discípulos se sentassem à mesa com pessoas assim. Este comportamento estava fora dos padrões estabelecidos para alguém que se dizia um mestre. Para alguém que realmente queria agradar a Deus. Isto nos leva ao primeiro ponto deste artigo.

I. O QUESTIONAMENTO AO COMPORTAMENTO DOS DISCÍPULOS (33)

Certamente os escribas e fariseus achavam os discípulos de Jesus alegres demais. Não ficavam com o rosto desfigurado e semblante abatido (como os hipócritas de Mateus 6:1-8). Pois apesar da Lei só estipular o jejum no Dia da Expiação, o texto nos mostra que os discípulos dos fariseus e os de João o praticavam com freqüência. A pergunta traz implícito o fato de que os discípulos do Senhor estavam quebrando uma tradição estabelecida e Ele parecia não se importar com isso! Em lugar de jejuarem, como seria apropriado á sua condição de discípulos, eles viviam comendo, bebendo e festejando. Ou seja, havia uma forma já estabelecida e eles a estavam quebrando. Como diriam alguns hoje: “estavam quebrando as tradições dos nossos princípios”. Acontece que a tradição à qual os escribas e fariseus se referiam era tradição que eles haviam criado e que queriam estabelecer como divina A nenhuma destas tradições o Senhor respeitou.

Eles também são acusados de não orarem, mas os argüidores deveriam estar se referindo aos horários preestabelecidos para a oração (mais uma tradição). Pela leitura bíblica sabemos que tanto Jesus orava como ensinava os seus discípulos a fazerem o mesmo. Tanto é verdade que oravam que o Senhor, apesar de admitir que não jejuavam, não diz nada a respeito da acusação de não orarem. Fica claro então que o problema não era o fato de não orarem e sim o de não orarem nos horários estabelecidos pela tradição religiosa dos judeus. O questionamento dos escribas e fariseus requer que o Senhor se posicione e é disto que trata o próximo ponto.

II. A RESPOSTA DO SENHOR (34-35)

“Podeis fazer jejuar os convidados para o casamento, enquanto está com eles o noivo?” Uma resposta simples e direta, pois tendo em vista que a festa de um casamento judeu durava sete dias, isto seria um contra-senso. Ninguém vai a uma festa de casamento para jejuar! A presença de Jesus trazia para os discípulos uma alegria bem maior do que a de uma festa de casamento! Seguir e estar com Jesus era para eles uma experiência que lhes trazia profunda alegria. Portanto, enquanto estivessem com Ele, os discípulos não tinham motivo para jejuar e desfigurar o rosto. Porém, quando lhes fosse tirado o noivo (uma referência a Sua morte) eles jejuariam.

Para esclarecer esta questão de tradições e formalidades a serem cumpridas no culto a Deus, o Senhor faz duas ilustrações. Passemos a analisá-las.

III. O VELHO E O NOVO (36-38)

Jesus começa a falar de coisas velhas e coisas novas, costumes antigos e costumes novos. Para tanto Ele recorre a duas coisas bem comuns a um lar judeu do Oriente Antigo. Uma é a prática de remendar as roupas velhas que se rasgaram. Ele nos diz que ninguém corta um pedaço de uma veste nova para remendar uma roupa velha. Isto seria uma inutilidade, pois além de estragar a roupa nova o remendo não combinaria com a velha. O prejuízo seria duplo, pois ambas ficariam inutilizadas. Em Marcos 2:21, Jesus fala que um pedaço de pano novo usado como remendo em uma roupa velha faria com que o conserto ficasse pior que o estrago. Devido a sua maior resistência o pano novo faria com que o velho se rasgasse e assim o buraco ficaria maior ainda que o original.

A outra ilustração vem dos odres e do vinho que neles eram guardados. Entenderemos melhor a ilustração se soubermos como eram confeccionados os odres. Um animal (normalmente uma cabra) era morto e eles removiam a carne e os ossos deixando seu couro intacto. Então, depois de devidamente tratado, ele era usado como recipiente para líquidos, inclusive o vinho. Quando novos, aqueles odres eram bastante maleáveis e elásticos. Com o passar do tempo eles se ressecavam e se submetidos a uma nova pressão rompiam-se. No que se referia ao armazenamento do vinho a não observância desta regra levava ao rompimento do odre e a conseqüência perda do vinho. Por isso Jesus é enfático: “vinho novo deve ser posto em odres novos e ambos se conservam”.

O vinho é igual ao conteúdo è princípios e verdades eternas da Palavra de Deus. O odre é igual ao recipiente è forma e modo de apresentar o conteúdo. O que o Senhor quer deixar claro com estas ilustrações e que Ele não veio remendar o judaísmo e nem moldar a Sua mensagem e comportamento aos velhos odres da religiosidade judaica. Ele veio trazer um vinho novo e o vinho que trouxe deve ser acondicionado em odres novos. Não é sem razão que Jesus não era visto com bons olhos pelos líderes religiosos da sua época. Ele era visto como um revolucionário que estava mudando as tão queridas tradições da religião judaica. Era isso que os incomodava!

IV. APLICAÇÃO

A verdade é que o Senhor sabia que o Seu ensino não estaria em conformidade com o gosto dos líderes religiosos, pois alguém que já se acostumou a beber o vinho velho nem ao menos quer se dar ao trabalho de experimentar o vinho novo. O velho é que é o bom, ele diz. Está tão acostumado e satisfeito com o velho que nem ao menos se dá ao trabalho de parar por um momento sequer para avaliar o sabor do novo.

“Em Lc 5:39, o Senhor Jesus nos diz que as pessoas, muitas vezes, preferem os velhos padrões como maneira aceitável de fazer as coisas, a ter que enfrentar a inevitável mudança do futuro. O vinho velho tem melhor sabor; mas o velho vai acabar e pessoalmente nós o guardamos em quantidades cada vez menores até que o terminamos completamente. O Nosso Senhor aconselha-nos a desenvolver sempre o gosto pelo vinho novo em odres novos. A essência do evangelho (“vinho”) permanece a mesma, mas o modo em que é acondicionada e oferecida (“odres”) mudará com o tempo e lugar” (Family Matters, p. 57).

Pensar nestas coisas faz minha mente “viajar” aos anos 1825 -1830 no Reino Unido e pensar sobre um grupo de irmãos (quase todos com menos de 30 anos) que ousou mudar a forma de reunir e apresentar o Evangelho à sua geração. Esclarecidos pela Palavra de Deus eles abandonaram as tradições vigentes nos seus dias e iniciaram algo totalmente novo. Por isso aqueles jovens foram taxados de revolucionários, de hereges e foram acusados de estarem quebrando os costumes estabelecidos e aceitos pelos líderes cristãos da sua época. Foi este grupo que iniciou o que ficou mundialmente conhecido como o Movimento dos Irmãos, grupo do qual somos, por assim dizer, descendentes.

A sua influência foi tão grande que, em poucos anos, os princípios que eles redescobriram na Palavra de Deus revolucionaram não somente o seu país, mas também a muitos outros. Não muito tempo depois de iniciado, o Movimento dos Irmãos já tinha cerca de 3.000 missionários espalhados pelo mundo. Esta, querido leitor, foi, sem a menor sombra de dúvidas, uma inovação abençoada por Deus.

Com tal pano de fundo histórico, com tal herança histórica é de se estranhar que em muitas “Casas de Oração” os jovens sempre sejam vistos com desconfiança. Em algumas delas eles se foram (ou foram “idos”), pois não aceitando mais as tradições não bíblicas não encontram um ambiente saudável para o seu desenvolvimento espiritual. Um obreiro em tempo integral disse: “Foi a inquietação com respeito à rígida estrutura e frieza de espírito que levaram os Irmãos iniciais a romperem com os movimentos existentes. É a inquietação com respeito a nossa tradicional estrutura e nosso espírito frio que está fazendo muitos de nossos jovens desaparecerem” (Family Matters, p. 35).

Antes de continuar, preciso dizer que a mudança à qual me refiro não é quanto ao conteúdo do que nos foi legado. Este conteúdo é bíblico e precisa ser preservado e, em alguns aspectos, precisa até mesmo ser resgatado. O que me refiro é a forma com apresentamos este conteúdo.

Uma vez estive em uma igreja e observei a pessoa que dirigiu o período de cânticos estava nitidamente imitando um dirigente de louvor de uma destas novas “Comunidades Evangélicas” carismáticas que proliferam nos grandes centros. Ora, isto não pode ser considerado uma mudança necessária, mas sim uma simples imitação. Mudanças, quando necessárias, são bem vindas, mas macaquices não! Se aquelas podem trazer algum proveito, estas para nada ou para muito pouco servem.

Alguns dos missionários estrangeiros que vieram começar o trabalho dos Irmãos aqui no Brasil (todos eles já partiram para a glória) trouxeram consigo costumes e preconceitos culturais que não eram necessários à pregação do Evangelho. Faltou-lhes sensibilidade quanto à nossa cultura e costumes. Eles viam com certa desconfiança o nosso jeito de ser, nossa alegria, nossa espontaneidade etc. Poderíamos tomar como exemplo disso o estilo musical europeu que eles trouxeram. Em alguns lugares ele é tido como o único estilo aceito para entoar louvores a Deus e como o único tipo de cântico que Deus aceita. Sei que estou mexendo em um ponto nevrálgico, mas não vou me frutar de expor a verdade acerca deste assunto para assim exemplificar a questão da forma e conteúdo. O que muitos desconhecem é que em nossas reuniões cantamos algumas melodias que foram compostas por pessoas incrédulas. Cantamos a música do hino nacional de pelo menos dois países europeus e até mesmo melodia de músicas folclóricas de alguns países estrangeiros. Mas como elas estão na forma (odres) que nos acostumamos e achamos certa são largamente aceitas. Então eu pergunto: o simples fato de terem sido compostas por europeus e nos padrões europeus as tornam sacras, ou como algumas afirmam, inspiradas?

Pessoalmente não tenho nada contra os tais hinos e canto-os com grande prazer para louvar ao Senhor. Aliás, um dos meus preferidos se encaixa no exemplo acima e sua melodia foi composta para expressar o amor entre dois seres humanos. Também não acho que devemos fazer uma “caça às bruxas” e eliminar do hinário estes hinos. Pelo contrário, creio que eles e outros são uma preciosa herança que devemos preservar, pois fazem parte da nossa história. Não podemos e nem devemos descartá-los! O que não podemos é dizer que somente as músicas e letras contidas neles são aceitas por Deus. Nesta área, como em muitas outras, há sim lugar para o novo. Ainda hoje alguém pode compor um cântico com uma melodia que não se encaixe nos padrões europeus e este cântico pode ser usado para louvar a Deus da mesma forma que os antigos.

Argumentando desta maneira, não estou com isso desmerecendo o valor e a importância desses homens e mulheres de Deus que deixaram suas pátrias para nos anunciar o Evangelho. Não é este o ponto. Estou mostrando algo que o grande Sadu Sudah Sing, o famoso Apóstolo dos Pés Sangrentos, disse certa vez: “Se querem oferecer ao povo indiano a Água Viva, que a apresentem em um copo indiano”.

Porque estou escrevendo isto? Escrevo para que vejamos que a FORMA pela qual o Evangelho é apresentado é suscetível a mudanças. Estou procurando mostrar que uma forma que hoje é largamente aceita pode se desgastar e perder o sentido para as gerações futuras e pode ser necessário adaptá-la ou mudá-la. Desde que o conteúdo seja preservado, desde que ele não seja adulterado, a forma de apresentá-lo, de servi-lo pode ser mudada. Creio que era disso que o Senhor estava falando. Falava da resistência gratuita que algumas pessoas tem a novas idéias, a mudanças. Ele falava da perpetuação e santificação da forma em detrimento do conteúdo.

Escrevo sobre o assunto a fim de que nos alertemos para o fato de que os mais jovens estão mais bem habilitados do que nós para perceber e acompanhar as vertiginosas mudanças da nossa época. Devemos dialogar com eles para entender como pensam os jovens de hoje, como podemos atingir os seus corações com mensagens que façam sentido para eles. Devemos adaptar nossa forma de pregar, nossa forma de argumentar sobre as verdades eternas da santa Palavra e nos esforçar para apresentá-la aos que tanto necessitam da salvação. Creio que isto está incluído no inspirado conselho de Paulo aos Romanos: “O que ensina, esmere-se no fazê-lo”.

A maior parte das igrejas funciona baseada em uma estrutura que foi montada há muitos anos. Esta estrutura que no passado foi eficaz pode não ser mais tão eficaz assim nos dias de hoje. Em outros casos percebemos que a estrutura permanece, mas o conteúdo parece ter ido embora há muito tempo. É preciso humildade para reconhecer isso e, ao mesmo tempo, é preciso coragem para mudar a forma de apresentar o conteúdo aos que nos rodeiam.

Um dos maiores problemas de alguns pregadores do nosso meio é o fato de ainda estarem respondendo perguntas que ninguém mais faz nos dias de hoje. Suas pregações são para responder perguntas que foram feitas pelas pessoas que viveram há mais de cem anos. Parecem desconhecer que cada época tem suas virtudes, defeitos e necessidades específicas. Por isso não são ouvidos pelos de fora, por aqueles que também precisam da salvação. Gostaram tanto da forma e das respostas que os antigos pregadores usavam nas suas abençoadas prédicas, que nem ao menos pensam em mudar, não a essência do Evangelho, mas a forma de apresentá-lo de maneira que o torne relevante aos nossos contemporâneos. Observe e verá que a maior parte dos membros da sua igreja é composta por filhos de crentes. Isto indica que simplesmente não estamos conseguindo atingir os de fora! E não os atingimos por não conseguir falar aos seus corações.

Gostaria de encerrar com algo que aconteceu no III CONCRISTO. Um grupo de jovens nos procurou pedindo para apresentar uma peça teatral que haviam ensaiado. Depois de ponderar sobre as implicações de incluirmos a peça na programação resolvemos correr o risco e aceitamos a oferta. Era uma peça sem palavras que tinha como fundo hino que falava da carência que as pessoas têm de Jesus e da necessidade de as evangelizarmos. O cenário foi o painel do congresso que tinha um monte com três cruzes vazias – a do meio representando a cruz do Salvador. Eles estavam vestidos de negro e dos seus rostos foram eliminadas as expressões faciais.

A peça iniciou-se com a maioria deles prostrados e alguns poucos de pé. Então estes começaram a se movimentar dando a idéia que estavam evangelizando os caídos. O refrão do hino repetia: “precisam do Senhor, precisam do Senhor”. Um a um os caídos foram sendo erguidos pelo poder do Evangelho e passavam a evangelizar os outros até que todos estavam de pé. A peça terminou com todos apontando para a cruz central.Tudo isto sem uma palavra sequer!

O resultado foi que toda uma família recebeu o Senhor como Salvador! Não houve apelos e nem nada parecido. O congresso encerrou-se e todos voltaram para suas casas. Um ano depois, no IV CONCRISTO, o pai da família procurou um de nós e nos disse que naquela noite, ao encerrar a peça, a filhinha dele lhe disse: “Pai, é disso que estamos precisando, estamos precisando de Jesus”. A menininha foi tocada e toda a família aceitou a Cristo como Salvador.

Uma forma diferente de anunciar o Evangelho. O mesmo Evangelho, na sua pura essência, sem ser diluído ou distorcido apresentado de uma forma bastante diferente da convencional, mas apresentando resultado na salvação de almas.

Este é o desafio que está diante de nós: conservar os princípios e os valores que os homens levantados por Deus para iniciar o Movimento dos Irmãos nos legaram enquanto repensamos a forma de apresentar a mensagem às pessoas da nossa geração – confusas e perdidas – com as quais convivemos diariamente, pessoas ás quais o Senhor nos enviou.

Que o mesmo Senhor nos dê a graça necessária para levarmos tal desafio adiante: apresentar um Evangelho vivo que faça sentido para as pessoas de um tempo novo!

Amém!

Jabesmar A. Guimarães

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